O design do impossível
Para celebrar o lançamento iminente de Impossível como nunca ter tido um rosto, novo livro de poemas de Ricardo Aleixo (informações sobre o evento no convite acima), seguem algumas palavras sobre muito do que alimentou o trabalho de design editorial que eu realizei.
Quando Ricardo Aleixo me contatou para que eu cuidasse dessa tarefa, ele me explicitou querer justamente que eu desse ao livro seu rosto. Este pedido me guiou durante todo o trabalho, e no final acabei chegando a não um, mas dois rostos.
O rosto é, em aparência, simétrico. Mas sabemos que uma metade nunca é de fato a correspondência exata da outra. Assim, explorei a simetria do objeto-livro aberto para evidenciar a simetria dissonante que se obtém ao se justapor a série de trabalhos visuais “As únicas coisas”, do próprio poeta: de um lado, em positivo, do outro, em negativo. O espelhamento das imagens que abrem e fecham cenográfica e orquestralmente as seções do livro, feito para se obter a simetria acima mencionada, permitiu que eu chegasse a interessantes composições, especialmente ao juntar as linhas (uma constante em toda a obra multimídia do artista) usadas no seu trabalho. Como no primeiro poema do livro, o rosto “se desdobra em muitos outros”.
As sucessivas tiragens de Impossível como nunca ter tido um rosto serão divididas em duas séries gráficas. O livro é composto em Paideuma, família tipográfica multiforme de minha autoria. A família é dividida em três fontes: Barroco (serifada, usada nos poemas), Concretista (sem serifa, utilizada em títulos e onde o texto é em prosa) e Tropicalista (itálico híbrido que pode ser usado em conjunto com qualquer das duas fontes). A intenção é fazer uma série gráfica com um determinado arranjo de imagens e tipografia, e outra com o arranjo tipográfico invertido: onde uma fonte estava sendo usada para um papel – poemas – ela passará a ser usada para outro – prosa e títulos. A inversão se dará também na positivação/negativação das imagens espelhadas. Assim, na série dois, a página da esquerda conterá a imagem em negativo, e a da direita, em positivo. Esse princípio afetará também a capa. No colofão há o número da série, cujos exemplares serão numerados à mão pelo poeta.
Conjunto de minúsculas de Paideuma, família tipográfica multiforme.
Capas das séries gráficas número 1 e 2.
O sistema de diagramação elaborado, assim como o sistema da família tipográfica em si, responde positivamente a essa inversão. Assim, além de ser dado outro desdobramento ao rosto do livro, adentramos ainda num domínio de maior afirmação no campo gráfico e visual – e o principal, os poemas, intactos e em primeiro plano. As possibilidades de se interpretar a poesia do gesto também são múltiplas, já que o objeto-livro acaba por, si só, a significar seu próprio conteúdo.
Por fim, o paradoxo que reside em sistematizar tanta pulsão e tensão remete não a uma impossibilidade de design, mas ao design do impossível. O rosto, aparentemente amarrado, luta pela sua afirmação, e a alcança no processo em si. Para mim fica uma grande lição: o impossível pode ser, não obstante, factível. Ou, em termos etimológicos, poético.
N.B.: As fotografias contidas neste post são de Ricardo Aleixo e representam as provas do livro, não o produto final. As demais imagens foram produzidas digitalmente por mim. Ao ter o livro finalizado em mãos, dedicarei a ele uma página atualizada neste site.